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A governança corporativa sob ataque

A governança corporativa sob ataque

21/03/2024 às 09h39
Por: Redação
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Governança Corporativa / Imagem Adobe Stock
Governança Corporativa / Imagem Adobe Stock

Por Roberto Gonzalez (*)


A polêmica envolvendo a tentativa de ingerência do governo na Petrobras e na Vale agitou o mercado de capitais e o noticiário nos últimos dias. No caso da Petrobras, a celeuma começou após a divulgação do balanço no dia 7 de março. Em 2023, o lucro da estatal caiu 33,8% em comparação com 2022, o que chamou a atenção. Este percentual resultou em uma perda de R$ 23,8 bilhões em seu valor de mercado. Mas isso foi o de menos. A grita teve início com a decisão do Conselho de Administração da estatal de adiar o pagamento de dividendos extraordinários aos acionistas, cujo valor é estimado em R$ 43 bilhões.


É importante ressaltar que se trata de dividendos extraordinários, pois os dividendos ordinários seguem uma legislação específica que não pode ser alterada pela companhia. O problema é que se propagou a notícia de que o adiamento dos dividendos extraordinários teria ocorrido por decisão do presidente Lula, o que configura, se a informação for verdadeira, ingerência do governo nas decisões da companhia.


Esse caso da Petrobras fez acender a luz de alerta com relação às atitudes governamentais sobre empresas estatais listadas na Bolsa. E aí, uma questão envolvendo a Vale em janeiro também voltou a ser comentada com força. No primeiro mês do ano, foi noticiado que Lula queria impor a entrada de Guido Mantega como CEO da companhia. Para piorar, o balanço da mineradora também não foi dos melhores. Ela perdeu R$ 48,3 bilhões de valor de mercado em 2023. Aliás, é a empresa que mais perdeu, seguida do Bradesco (R$ 33,6 bilhões) e da Petrobras.


Ambos os casos não são os únicos, mas são bons exemplos de que a governança corporativa está sob ataque no Brasil, tanto por agentes públicos quanto por agentes privados. Não importa se o controle de uma companhia é estatal ou se o controle é privado. Todo e qualquer controlador tem que agir de acordo com as melhores práticas de governança. Esse é um ponto que não vem sendo respeitado, o que é bastante ruim porque traz insegurança para investidores a respeito dessas empresas.


Acima de tudo, uma boa governança é transparente. Sendo assim, o controlador de qualquer companhia, pública ou privada, tem que deixar claro qual o objetivo dele. Vamos tomar como exemplo uma empresa de saneamento, focada em distribuição de água e coleta e tratamento de esgoto em um município deficitário desses serviços. O acionista, ao comprar ações, já sabe que esta empresa terá de investir para acabar com o déficit porque é uma empresa que atua na estrutura pública.


A companhia tem que deixar isso claro, para o acionista comprar ações já sabendo disso. Portanto, se por causa do investimento a empresa não pôde pagar dividendos ou pagou menos do que em anos anteriores, não é justo que o acionista reclame. Ele já sabia desta possibilidade. Mas o investimento tem de ser planejado, previsível.


Todos os envolvidos com esta companhia precisam saber o que será gasto para poderem mensurar se vale ou não a pena investir e aguardar um tempo maior para obter retorno. Não é aceitável que a informação de investimento venha apenas no momento de explicar o porquê de os dividendos serem inferiores ao do ano anterior ou nem serem distribuídos. Como eu já disse, transparência é essencial.


No caso da Petrobras, todo o alvoroço teria sido evitado se meses antes a empresa informasse ao mercado que em abril haveria alterações na política de dividendos extraordinária. Bastaria um comunicado com argumentos técnicos. Talvez até houvesse queda no preço das ações, mas seria bem menor. A repercussão seria menor porque tudo teria ocorrido com a máxima transparência. Lula negou que o adiamento da distribuição de dividendos extraordinários tenha partido dele. Mas o estrago, para a estatal e para ele próprio, já está feito.


No caso da Vale, a tentativa de ingerência está mais clara. Mas foi uma iniciativa completamente errada. Porém, veja bem, neste caso o desrespeito à governança corporativa não partiu somente do governo, mas também de alguns acionistas, ou seja, do próprio segmento privado. Um grupinho de acionistas espertinhos pensou: "todo mundo vai falar que é uma ingerência do governo federal. Ninguém vai perceber que tem nossas mãos nisso". Não é por acaso que José Luciano Duarte Penido enviou carta renunciando ao cargo de Conselheiro Independente da Vale.


Olha que interessante. Na carta, Penido escreve o seguinte: "No Conselho se formou uma maioria cimentada por interesses específicos de alguns acionistas lá representados, por alguns com agendas bastante pessoais e por outros com evidentes conflitos de interesse. O processo tem sido operado por frequentes, detalhados e tendenciosos vazamentos à imprensa, em claro descompromisso com a confidencialidade". Considerando as palavras de Penido, é importante que os acionistas e investidores sérios fiquem duplamente atentos porque está claro que ambos os lados, público e privado, estão ignorando uma boa gestão por conta de interesses específicos e que não necessariamente é vantajoso para a companhia.


Especificamente sobre o governo federal e sobre a figura do presidente da República, entendo que Lula não é especialista nesses assuntos, por isso deveria ser melhor assessorado. Na primeira vez que Lula chegou à presidência, ele contava com uma assessoria bem melhor no assunto mercado de capitais. Parece que agora não tem ninguém com ele que entenda do tema. Em suas duas primeiras gestões, Lula pisava com todo o cuidado como se estivesse em uma sala de cristais. Agora está parecendo um elefante nesta mesma sala. E um elefante assustado, para piorar. Esse é um grande problema que temos, uma questão de grande relevância.


(*) Roberto Gonzalez é consultor de governança corporativa e ESG e conselheiro independente de empresas. É autor do livro "Governança Corporativa - O Poder de Transformação das Empresas"

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