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Entenda o equívoco da SEFAZ/SP na incidência de ITCMD sobre trusts estrangeiros

Entenda o equívoco da SEFAZ/SP na incidência de ITCMD sobre trusts estrangeiros

25/04/2023 às 14h25 Atualizada em 25/04/2023 às 17h25
Por: Redação
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Imagem por @wayhomestudio / freepik
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Em 04 de abril de 2023 foi publicada a resposta à consulta tributária n.º 25.343/2022, elaborada pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, quanto à incidência de ITCMD (imposto sobre a transmissão causa mortis e doações) sobre bens e direitos situados no território paulista, os quais foram transferidos para um trust instituído no exterior.

Eis os fatos: (i) o instituidor (settlor) tem domicílio no exterior; (ii) o consulente é um dos beneficiários do trust; (iii) o trust é irrevogável; (iv) o settlor não dispõe de controle sobre os ativos e não pode ordenar distribuições; (v) o settlor não aparece como beneficiário do trust, de maneira que há uma separação efetiva entre o settlor e a propriedade dos bens entregues ao trustee; (vi) o patrimônio do trust é autônomo e distinto dos patrimônios do settlor, do trustee e dos beneficiários, de maneira que nenhum deles possui direito real sobre os bens do trust; (vii) os bens e direitos transferidos ao trust não respondem pelas dívidas pessoais do trustee e tampouco podem ser eles utilizados para razões distintas daquelas definidas no instrumento do trust.

Pois bem! No julgamento do RE nº 851.108 (Tema 825 da Repercussão Geral), o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese: “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional.”

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Para melhor compreensão, vejamos o que diz o art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal: “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; § 1º O imposto previsto no inciso I: III - terá competência para sua instituição regulada por lei complementar: a) se o doador tiver domicílio ou residência no exterior; b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior.”

Resta claro então que, se o doador tiver domicílio ou residência no exterior, os estados não estão autorizados a instituir o ITCMD sobre eventuais transmissões gratuitas de bens e direitos situados em seus territórios.

Photo by @freedomz / freepik

A Secretaria da Fazenda de São Paulo, em resposta à consulta formulada pelo beneficiário do trust, assim concluiu: “O ITCMD relativo à doação de direitos realizada por doador com domicílio no exterior a donatário residente neste Estado deve ser recolhido ao Estado de São Paulo.”

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O fundamento para esta conclusão foi o seguinte: “Feitas essas considerações, em que pese a decisão do STF no âmbito do RE nº 851.108/SP, permanece válido e vigente no ordenamento jurídico o artigo 4º da Lei 10.705/2000.”

Ora, aparentemente as autoridades fazendárias paulistas não entenderam o alcance do acórdão proferido pelo STF no RE nº 851.108. O item 6 da ementa assentou: “6. O art. 4º da Lei paulista nº 10.705/00 deve ser entendido, em particular, como de eficácia contida, pois ele depende de lei complementar para operar seus efeitos. Antes da edição da referida lei complementar, descabe a exigência do ITCMD a que se refere aquele artigo, visto que os estados não dispõem de competência legislativa em matéria tributária para suprir a ausência de lei complementar nacional exigida pelo art. 155, § 1º, inciso III, CF. A lei complementar referida não tem o sentido único de norma geral ou diretriz, mas de diploma necessário à fixação nacional da exata competência dos estados.”

O STF sedimentou que o artigo 4º da Lei paulista n.º 10.705/2000 encontra-se com a sua eficácia contida até que seja editada a lei complementar referida no art. 155, § 1º, inciso III do Texto Magno. Citando ALBERTO XAVIER, a Colenda Corte registrou: “A escolha de qual Estado é titular de competência tributária é, pois, uma questão prévia relativa à aplicação da lei material reguladora da tributação, de tal maneira que a ausência da primeira envolve necessariamente a ineficácia da segunda, impedindo a vigência da mesma até a sua publicação.”

Em outras palavras, o art. 155, § 1º, inciso III da CF impede a eficácia – e, consequentemente, a vigência – do artigo 4º da Lei paulista n.º 10.705/2000 até a entrada em vigor da lei complementar pertinente regulamentando a competência dos estados para instituir o ITCMD quando o doador tiver residência ou domicílio no exterior.

Assim, embora seja verdade que o artigo 4º da Lei paulista n.º 10.705/2000 permaneça válido no sistema do direito positivo brasileiro, não é correta a assertiva de que ele está vigente.

Com efeito, apreendemos das lições de PAULO DE BARROS CARVALHO que a vigência é a “…propriedade de certas regras jurídicas que estão prontas para propagar efeitos, tão logo aconteçam, no mundo social, os fatos descritos em seus antecedentes.”

O artigo 4º da Lei paulista n.º 10.705/2000 não está pronto para propagar efeitos no mundo concreto, dado que, como visto, sua eficácia foi contida pelo STF.

Logo, enquanto não editada a lei complementar a que alude o art. 155, § 1º, inciso III da CF, o ITCMD (imposto sobre a transmissão causa mortis e doações) não é exigível sobre bens e direitos situados no território brasileiro quando o seu doador tiver residência ou domicílio no exterior.

Por Prof. Dr. Dalton Luiz Dallazem, Advogado, Sócio Fundador da Perin & Dallazem Advogados, Mestre (PUC/SP) e Doutor (UFPR) em Direito Tributário e Mestre e Doutor em Tributação Internacional (University of Florida – USA)

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